Três temas e uma só pergunta: nossas instalações elétricas estão adequadas?

29/09/2012 18:33

O que há em comum entre as instalações elétricas em locais que atendem e recebem crianças pequenas, instalações que atendem e recebem pessoas idosas e/ou com dificuldade de locomoção e instalações que alimentam equipamentos vitais para manutenção da vida das pessoas enfermas?

No primeiro grupo estão creches, berçários, escolas maternais e outros locais que atendem crianças que engatinham, estão começando a andar ou já andam bem e que, acima de tudo, como qualquer criança, são extremamente curiosas e ativas.

No segundo grupo, temos os asilos, clínicas de repouso e demais locais que recebem e cuidam daqueles que já atingiram a maturidade e que podem ter limitações de mobilidade em função da idade avançada.

No terceiro grupo, estão os estabelecimentos assistenciais de saúde em geral, mas, no âmbito deste artigo, vamos tratar dos chamados homecares, ou seja, casas, sobrados e apartamentos que, por necessidade, têm parte de sua área transformada em quartos de hospitais que muitas vezes lembram um CTI (centro de terapia intensiva). Esta prática de homecare é adotada em muitos países como opção mais barata e humana no tratamento de pacientes com doenças graves que condicionam a sustentação da vida à ligação a aparelhos e equipamentos geralmente eletroeletrônicos. Note que este caso não escolhe idade das pessoas, incluindo desde recém-nascidos até pessoas muito idosas que têm suas vidas dependendo do funcionamento adequado de uma máquina.

Os três grupos tratados neste artigo têm necessidades muito parecidas em relação às instalações elétricas: segurança, acessibilidade e qualidade. Em outras palavras, todas as instalações elétricas que atendem aos três grupos têm de estar adequadas às necessidades específicas de cada tipo de usuário. Vejamos cada caso.

Segurança

Crianças muito pequenas são também muito curiosas. Exploram cada cantinho do local em que estão e têm uma curiosidade especial por “buracos”. Não importa se buracos redondos, retangulares, triangulares, ou seja lá qual formato tiverem. Além disso, adoram movimentar objetos para cima e para baixo (chacoalhar) e não podem ver uma porta aberta que lá vão elas espiar e tocar em tudo o que puderem no novo local descoberto.
Uma pequena tradução destes comportamentos tão naturais das crianças pequenas para a linguagem das instalações elétricas é a prática de não deixar tomadas ao alcance das crianças pequenas que engatinham ou que ainda são de baixa estatura. Cabe ao projetista e ao instalador de uma creche, por exemplo, prever tomadas numa altura de, pelo menos, 1,2 metro, que ficam fora do alcance das mãos de uma criança pequena, mesmo com o braço esticado. A mesma recomendação de altura vale para os interruptores, que devem ficar fora do alcance dos “baixinhos”, pois eles adoram ligar-desligar-ligar-..... os interruptores, o que, em algum momento, pode significar algum problema para quem manusear tal dispositivo. Além destes aspectos, vale lembrar que os quadros elétricos e caixas em geral devem sempre ter portas e tampas com difícil remoção, evitando assim que as crianças tenham acesso às partes vivas e fiquem sujeitas aos enormes riscos de choques elétricos. Nem é preciso mencionar a importância fundamental da existência nos locais que recebem crianças de uma adequada infraestrutura de aterramento (eletrodos, condutores de proteção, tomadas com contato de aterramento, etc.) e o uso de DRs de alta sensibilidade (se possível, com correntes de sensibilidade de 10 mA ao invés do tradicional 30 mA que é o valor indicado pela ABNT NBR 5410).
A segurança da instalação elétrica para o segundo grupo, das casas de repouso, tem a ver com a proteção contra contatos indiretos, tais como os infelizmente usuais choques em chuveiros elétricos, geladeiras, etc. Assim como no caso das creches, a existência da infraestrutura de aterramento e o uso de DRs de alta sensibilidade são absolutamente essenciais. Além disso, incêndios de origem elétrica em locais como estes resultam sempre em graves ferimentos e até mortes devido à grande dificuldade para alguns idosos se retirarem do local. Neste sentido, o correto dimensionamento dos circuitos e o uso de materiais não halogenados e com baixa emissão de fumaça e gases tóxicos são medidas preventivas salutares em locais como estes.
Para os homecares, segurança significa manter a integridade e o funcionamento dos componentes da instalação e dos equipamentos que sustentam a vida. Para isso, o projeto deve incluir a seleção adequada dos dispositivos de proteção contra sobrecorrentes e sobretensões. Toda instalação que alimenta umhomecare deveria dispor de fonte de segurança, tais como UPS e pequenos geradores. Um paciente ligado a um equipamento de sustentação de vida simplesmente não pode esperar a volta da energia elétrica após 3, 4 ou às vezes 12 ou mais horas durante um apagão. É isso mesmo: independentemente dos motivos, quando alguém se dispõe a montar um homecare em seu apartamento, é preciso garantir o suprimento ininterrupto de energia. E nem sempre o tempo de duração das baterias de um nobreak é suficiente para manter os equipamentos essenciais à vida em funcionamento e aí é necessária a atuação de um gerador, mesmo que de pequeno porte.
Este tema é novo no Brasil, mas tem um potencial de crescimento enorme, na medida em que já é realidade no exterior. Como adaptar a instalação elétrica de um apartamento ou casa para receber um homecare é uma pergunta de difícil resposta, mas o desafio está aí para ser resolvido. Como instalar com segurança um pequeno gerador em um apartamento situado no 18º andar de um prédio, cuja vizinhança é extremamente exigente em termos de barulho? Será que o conselho do prédio deixaria instalar no subsolo ou no jardim?

Acessibilidade

Conforme a Wikipedia, acessibilidade significa não apenas permitir que pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida participem de atividades que incluem o uso de produtos, serviços e informação, mas a inclusão e extensão do uso destes por todas as parcelas presentes em uma determinada população.

Na arquitetura e no urbanismo, a acessibilidade tem sido uma preocupação constante nas últimas décadas. Atualmente estão em andamento obras e serviços de adequação do espaço urbano e dos edifícios às necessidades de inclusão de toda população. Mas o que podemos dizer sobre a acessibilidade das instalações elétricas? A NBR 5410, por exemplo, tem alguma recomendação sobre o assunto? Ou alguma outra norma teria? Longe de conhecer todas as normas técnicas, penso que este tema ainda passa longe de nossos documentos técnicos.

O que deve ser feito numa instalação elétrica que atende prioritariamente pessoas idosas, doentes e/ou com dificuldade de locomoção? Os simples atos de ligar/desligar um interruptor ou inserir/retirar um plugue de uma tomada podem ser quase impossíveis de executar para uma pessoa numa cadeira de rodas, total ou parcialmente paralisada. Ou então o exemplo de uma pessoa idosa, mesmo que não paralisada, mas que tenha movimentos muito lentos, dificultados pelo implacável passar dos anos, pode não conseguir acender e apagar uma lâmpada, atividade tão rotineira para as demais pessoas.

É importante lembrar que o contingente de pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida que moram sozinhas ou que têm companhia eventual apenas em determinados horários do dia ou da noite aumenta a cada dia que passa em todo o mundo. Desta forma, é imperativa a reflexão sobre como tornar as instalações elétricas acessíveis e amigáveis para este contingente cada vez maior de pessoas.

Em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, faz algum tempo que este tema vem sendo enfrentado pelos especialistas. E, de uma forma geral, a solução encontrada passa sempre pelo uso da mesma “ferramenta”: automação residencial.

O emprego nas instalações elétricas de sensores de movimento e de voz que acionam luzes, aparelhos eletroeletrônicos, alarmes, campainhas, cortinas, etc. torna a vida menos difícil para as pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida.

A integração tão necessária entre os projetos de automação residencial e de instalações elétricas é fundamental nos casos de locais que necessitam considerar as questões fundamentais de acessibilidade.

É importante destacar neste ponto da reflexão que a presença de pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida não é exclusiva de clínicas de repouso, por exemplo, mas pode estar presente numa casa, sobrado ou apartamento “comum”. Desta forma, planejar uma instalação elétrica para que possa receber de imediato ou em algum momento no futuro alguma automação que vise a facilitar o acesso das pessoas às tarefas mais elementares de acender/apagar, ligar/desligar, é um serviço de grande utilidade que os profissionais especialistas podem prestar à comunidade. Obviamente, incluir requisitos de automação nas instalações encarece o empreendimento, porém, sem dúvida, torna-o mais humano e, possivelmente, mais fácil de ser comercializado, pois incorpora um grande diferencial no mercado.

Uma das propostas neste assunto é, por exemplo, considerar um projeto que inclua requisitos de pré-automação residencial, definida aqui como a instalação da infraestrutura (condutos, quadros, caixas, etc.) necessária para receber uma futura automação. Aproveitando a infraestrutura, podem ser instalados, no começo, alguns itens simples de automação, tais como sensores de presença em apenas alguns cômodos do local, deixando para mais tarde e aos poucos a inclusão de outros itens da automação. O custo da instalação apenas da infraestrutura de automação é relativamente baixo no contexto da obra e poderia, na maioria dos casos, ser considerado como viável.

Seja lá qual for a solução técnica encontrada, este artigo chama a atenção para a questão da acessibilidade que deve ser incorporada ao dia-a-dia dos projetos de instalações elétricas.

Qualidade

Esta palavra tem uma abrangência muito grande, mas, para efeito deste artigo, vamos considerar a qualidade do projeto elétrico, dos materiais utilizados, da mão de obra de instalação e manutenção e da qualidade de energia disponibilizada nos locais.

Em todos os casos, a elaboração de um projeto elétrico cuidadoso, competente, responsável e que, se possível, vá além das prescrições mínimas das normas e regulamentos técnicos é fundamental. No entanto, é razoável aceitar que esse projeto deva ser mais cuidadoso ainda quando se tratam de locais tais como creches, berçários, escolas maternais, asilos, clínicas de saúde e home-cares. É esse “ir mais além” que chamamos de qualidade de um projeto. Considerar os aspectos de segurança e acessibilidade mencionados nos artigos anteriores em adição às prescrições mínimas das normas faz toda a diferença no futuro funcionamento adequado das instalações elétricas daqueles locais. Lembrar que, por exemplo, para uma criança muito pequena um DR de 30 mA pode não ser exatamente um dispositivo de alta sensibilidade e que, neste caso, seria mais aconselhável utilizar um DR de 6 ou 10 mA, indo assim além do mínimo da norma, pode ser a diferença entre um projeto de qualidade e um bom projeto.

Um projeto de qualidade necessariamente leva à especificação de materiais de qualidade. Assim como no caso do projeto, um material de qualidade não é somente aquele que atende ao mínimo do que as normas técnicas prescrevem (o chamado “border line”). Material de qualidade é aquele que vai além dos mínimos e tem desempenho, eficiência e vida útil superiores. Mais uma vez o discurso se repete e, de uma forma geral, mas nos locais indicados neste artigo em particular, a qualidade dos materiais é fundamental para garantir a segurança de todos os usuários e o funcionamento confiável das instalações.

De nada serve um projeto de qualidade e o uso de materiais de qualidade se a mão de obra que vai montar a instalação é tecnicamente pobre, sem conhecimento adequado, ou, em suma, sem qualidade. Inúmeros são os casos de materiais bem projetados, selecionados e especificados, com boa qualidade, serem danificados ou mal instalados por conta de mão de obra desqualificada, colocando tudo a perder em termos de segurança e confiabilidade do sistema.

Neste quesito, tão importante quanto a mão de obra que vai instalar é a mão de obra que vai manter as instalações elétricas funcionando em boas condições. Muitas instalações são primorosas quando recém-entregues, mas tornam-se inseguras e ineficazes com o passar de pouco tempo.

Tudo está aparentemente certo: projeto, materiais e mão de obra de qualidade. No entanto, falta um ingrediente importante para se obter uma instalação elétrica de qualidade: a qualidade da energia disponível no local (note que, em apenas um parágrafo, foram empregadas três vezes a palavra “qualidade” – tirando esta quarta vez!).

Os mais variados problemas de qualidade de energia (afundamentos de tensão, quedas ou faltas de tensão, tensões e correntes harmônicas, etc.) são responsável pelo mau funcionamento ou, às vezes, pela interrupção de funcionamento dos equipamentos eletroeletrônicos e eletromédicos.

Nos locais que são objeto destes artigos, casos extremos de mau funcionamento ou parada de equipamentos podem levar as pessoas à morte!!! Imagine a situação de um paciente gravemente enfermo que tem sua vida totalmente dependente de uma máquina ligada à tomada em um home-care. Qualquer funcionamento inadequado ou parada da máquina pode colocar o paciente em risco de morrer. A instalação de estabilizadores de tensão, no-breaks, dispositivos protetores de surto, condutores adequadamente dimensionados, circuito terminais exclusivos, condutores de proteção independentes, eventuais filtros de harmônicas, dentre outras soluções possíveis para problemas de qualidade de energia são indispensáveis para garantir a continuidade e a confiabilidade da instalação elétrica nos locais tratados nesta série de artigos.

Considerações finais

Apesar de “filosóficos e conceituais”, esperamos que estes três aspectos possam contribuir de alguma forma para que se encarem de uma maneira diferente alguns tipos de instalações elétricas, saindo da posição de fazer tudo no “piloto automático”, apenas cumprindo as normas, numa receita de bolo já bem conhecida, que geralmente não considera as necessidades específicas de muitas pessoas que vão ser as usuárias destas obras.

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